10 de mai. de 2012

05 DE JUNHO: DIA DA CERVEJA BRASILEIRA

Um dos motivos para a criação deste blog, isto digo por mim, foi o fato de que, como estudante de história da arte, eu tenha identificando tanto nos meus estudos, quanto nas discussões a respeito de cerveja artesanal, alguns pontos interessantíssimos de convergência.

A notícia hoje é da criação do “Dia da Cerveja Brasileira”, proposto pelo BBC (Blogueiros Brasileiros de Cerveja) e que deverá ser comemorado no dia 05 de junho de cada ano. Neste sentido, gostaria de fazer alguns paralelos entre duas histórias: a história da arte e a história da cerveja.

A história da arte como disciplina acadêmica, ou seja, encarada como ciência(1), tem uma história relativamente recente no mundo, remontando ao século XIX, atualmente, passamos por um momento de revisão desta disciplina.

Um destes pontos de revisão é muito bem explicitado pelas palavras de Hans Belting, em seu livro ‘O Fim da História da Arte: Uma revisão dez anos depois’: "Assim, a chamada história da arte foi sempre uma história da arte europeia, na qual, apesar de todas as identidades nacionais, a hegemonia da Europa permanecia incontestada. Mas essa bela imagem provoca hoje o protesto de todos aqueles que não se consideram mais representados por ela.”

Ou seja, hoje temos as minorias. Por minorias devemos entender minorias culturais historicamente estabelecidas, não necessariamente demográficas. Se foi na Europa onde surgiram os primeiros estudos de história da arte e lá foram firmados os cânones que foram importados, fazendo com que a inserção na história venha acompanhada da adesão da cultura hegemônica, vemos hoje uma reivindicação de individualidades étnicas (2).

O que isso proporciona? Uma revisão total do que é a história da arte, e uma alteração estrutural da própria disciplina, posto que os modelos são questionados e as individualidades tornam-se conscientes e exigem tratamento adequado, afinal, ainda nas palavras do autor: "Ela (a disciplina história da arte) não é mera narração de fatos que pudesse ser transferida sem problemas para outra cultura em que ainda falta uma narrativa semelhante. Formou-se antes, no interior de uma tradição intelectual própria, na qual desempenhava tarefas exatamente circunscritas e transmitia a própria cultura como lugar de identidade."

Aí vem a cerveja. Bebida tradicional principalmente de países germânicos e arredores, carrega até hoje o conceito de que cerveja boa é importada, seja alemã, tcheca, belga, etc., são cervejas que se tornaram modelos a se seguir. Assim como vimos acima com relação a história da arte, surgiu também a história oficial da cerveja, onde, para estar dentro desta história, era (de certa forma ainda é) necessário seguir os cânones impostos pela tradição oficial.

Assim como na história da arte, vemos surgir hoje os questionamentos desta tradição e a reivindicação de reconhecimento identitário, afinal, mudando um pouco o objeto da frase de Belting: "Ela (a história da cerveja) não é mera narração de fatos que pudesse ser transferida sem problemas para outra cultura em que ainda falta uma narrativa semelhante. Formou-se antes, no interior de uma tradição intelectual própria, na qual desempenhava tarefas exatamente circunscritas e transmitia a própria cultura como lugar de identidade."

Exemplo disso é a escolha do dia 05 de junho para a comemoração do "Dia da Cerveja Brasileira", em virtude de Ruprecht Loeffler, um dos mais antigos cervejeiros do Brasil e dono por mais de meio século da Cervejaria Canhoiense, em Santa Catarina. A escolha do dia relacionado a um personagem que remonta antiguidade e tradição pretende nos inserir de alguma forma em um cenário digno e que nos legitima a trajetória posterior da cerveja no Brasil e nos embasa agora como legítimos participantes de uma história.

Isso provoca aos poucos uma reformulação total do conceito de cerveja boa, cria uma nova história da cerveja que agora é inclusiva, e não exclusiva. Não só no Brasil, mas no mundo todo, a atuação dos cervejeiros artesanais vem forçando os limites da história tradicional e promovendo um alargamento, que não só para a própria cerveja, mas em um contexto mais geral, contribui para a reflexão sobre a cultura e as dinâmicas atuais de validação e inserção, e nos demonstra claramente que o local modifica o global e que nós não estamos condenados a nos submeter passivamente à tradição importada, pois também a modificamos.


Bruno Bontempo
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(1) - Ver postagem “CERVEJA ARTESANAL: UMA QUESTÃO TERMINOLÓGICA”, o trecho onde abordo a separação entre as artes mecânicas e as artes liberais. Surgem neste contexto os primeiros tratados sobre arte e história da arte, mas ambos constituíam-se tratados práticos ou histórias das vidas dos artistas, é somente no século XIX que a história da arte ganha metodologia própria como disciplina.

(2) - Ver postagem “APRESENTAÇÃO GYPSYbreja”, este mecanismo de transferências e adaptação de modelos pode ser observado no caso da gravura. Um ótimo artigo sobre a particularidade brasileira na releitura de estilos internacionais é o "Guias de estilos - Parte IX: O cânone e a inovação", do site O Cru e o Maltado.