17 de abr. de 2012

CERVEJA ARTESANAL: UMA QUESTÃO TERMINOLÓGICA

Desde que comecei a estudar a produção de cerveja artesanal, me peguei confuso com os termos "cerveja artesanal" e "cerveja caseira", afinal, a cerveja caseira não é artesanal? Até mesmo, mais artesanal do que a cerveja da microcervejaria?

Pois bem, os termos se misturaram na minha cabeça. Fui lendo mais, frequentando blogs, vendo vídeos e percebi que, de fato, os dois termos não possuem uma grande diferenciação, resume-se a: Cerveja artesanal é a comercializada legalmente e cerveja caseira é feita sem propósitos comerciais.

A definição do verbete Artesanato, na maioria dos dicionários recentes brasileiros é bem limitada, restringe-se a defini-lo como a produção do artesão, que por sua vez é definido também de maneira simplória, sempre limitado à produção manual ou produção popular de objetos e coisas. Mas se recorrermos à história veremos que o conceito é mais amplo.

O conceito de artesanato, logo, também o de arte, é fruto da filosofia Humanista do Renascimento. Antes, existiam as artes liberais (retórica, gramática, aritmética, geometria, etc.) e as artes mecânicas (arquitetura, agricultura, medicina), sendo que, bem genericamente, as primeiras eram necessárias para o engrandecimento do homem, realizadas através do raciocínio, já as outras não eram pensadas, mas sim, feitas para fins utilitários. É neste interim que se enquadrava (para os Humanistas) a produção artesanal durante a Idade Média, era considerada uma produção mecânica e utilitária, que não pensava, não transformava ou elevava o homem. Mesmo as imagens sacras, que na teologia medieval sempre estiveram em ferrenhas discussões não eram consideradas artes liberais, mas sim uma arte mecânica destinada à instrução. A elevação do homem que a imagem religiosa propunha não era baseada em sua materialidade, era sim uma ponte ao protótipo divino. No Renascimento os artistas, então chamados de artífices, em uma atitude de negação deste passado medieval, voltaram-se para a recuperação dos padrões greco-romanos e iniciaram uma “campanha” que tentava reivindicar a emancipação das artes, tentaram provar que a pintura, a arquitetura e a escultura não eram meras artes mecânicas, que eram fruto da alma e que podiam elevar o homem. Daí a grande quantidade de tratados de arte, como o de Vitrúvio, posteriormente os de Alberti e a grande briga entre Michelangelo e da Vinci, um considerando a escultura como arte superior, e o outro reivindicando superioridade à pintura.

Neste ponto delineia-se uma divisão entre a arte e o artesanato. As belas artes que conhecemos hoje se tornaram naquele momento artes liberais e o artesanato permaneceu entre as artes mecânicas.

Hoje o artesanato não é considerado como arte por alguns, o é por outros, é feito para fins utilitários por uns, por outros é feito para fins estéticos, mas falando de cerveja, creio que se possa definir o termo “cerveja artesanal” dizendo que esta é feita através de um processo não industrial, talvez até semi-industrial, onde quem faz é atuante em todos os processos de sua feitura (ao contrário de uma linha de produção, em que cada um domina a feitura somente de uma parte do objeto/coisa), é a cerveja feita sem intenções de comercialização em massa ou sem intenções de comercialização, onde as regras mercadológicas não limitam a criação e utilização de ingredientes, processos e tempo, visando a produção de uma cerveja de qualidade, deixando de lado os padrões das cervejas industriais amplamente comercializadas. Esta produção visa o aperfeiçoamento, digamos, “gustativo” do consumidor, é uma finalidade direcionada aos sentidos (fruição), além da proposta de inserir o consumidor em uma cultura, que é a da cerveja (educação). É feita com um propósito que não se limita a alimentar ou embriagar, logo, é mais do que utilitária.

Vê-se, portanto, que o conceito básico de cerveja artesanal não se difere do conceito de cerveja caseira. E esta introdução serve de apoio a real argumentação deste texto.

No site Cronache di Birra encontrei o prolongamento de uma discussão que me parece estar exaltando os ânimos de alguns cervejeiros italianos. No artigo "La settimana si apre con un quesito su homebrewing e birra artigianale" (A semana começa com uma questão sobre homebrewing e cerveja artesanal), o autor, Andrea Turco, explana sobre outro artigo "La birra fatta in casa si può definire birra artigianale?" (A cerveja feita e casa pode ser definida como cerveja artesanal?) de Angelo Jarrett do site Berebirra.

Ambos os artigos se debruçam sobre a questão terminológica/conceitual entre “cerveja artesanal” e “cerveja caseira”.

A argumentação de Angelo Jarrett consiste em definir como elemento diferenciador entre uma e outra, o público, e identifica aí a grande cisma entre a produção de uma microcervejaria e de um cervejeiro caseiro, visto que, se para um cervejeiro caseiro a opinião de outras pessoas pode contar pouco, para um cerveja artesanal com fins comerciais a opinião do público conta muito, e compara citando um caso hipotético, em que, se um cervejeiro caseiro e uma cervejaria artesanal se propõem ambos a criar uma cerveja Stout, o cervejeiro caseiro está livre para experimentar novos processos e diferentes ingredientes, sendo que, se o resultado não é bom, ele pode abrir mão da produção, ou consumi-la sem ter de se justificar a ninguém. Por outro lado, a microcervejaria tem muitos aspectos a considerar, como a aceitação pelos consumidores, custo de materiais, concorrentes etc., o que limitaria as opções, visto que os prejuízos para um produto que deu errado em grande escala é muito maior.

Andrea Turco prolonga o assunto, porém não pretende investigar o processo produtivo, a utilização de ingredientes melhores ou piores ou a influência do público nas decisões de uma microcervejaria, pretende sim, investigar a “filosofia” base que caracteriza a cerveja artesanal, e considera que esta “filosofia” tenha como princípio o afastamento da lógica de mercado, favorecendo a qualidade, o que acaba chegando no mesmo ponto que chega Angelo Jarrett. Ou seja, a produção comercial só tende a diminuir a qualidade da cerveja em virtude da adaptação das microcervejarias à logica de mercado e à ampla concorrência, enquanto os cervejeiros caseiros mantêm sua produção por paixão, ou seja, é nos cervejeiros caseiros que se encontra a verdadeira “filosofia” da cerveja artesanal.

Somente o fato de que esta discussão exista na Itália, nos demonstra que a situação do movimento homebrew lá pode estar se tornando complicada, e nos antecipa problemas que podem surgir aqui. Temos hoje no Brasil um movimento que tomou força recentemente, e creio que a discussão italiana nos aponta que deve haver hoje uma reflexão a respeito do futuro do movimento homebrew no Brasil. Um dado que Andrea Turco cita é que existem mais de 400 microcervejarias na Itália, e se não todas, a maioria começou anos atrás com cervejeiros caseiros. Tendo em mente a população e o tamanho da Itália podemos supor que isso necessariamente gera um clima de concorrência e estabelece, até certo ponto, uma lógica de mercado entre os microcervejeiros.


Temos aqui no Brasil um certo problema com as lojas de insumos e equipamentos, antes eram pouquíssimas, hoje surgem sempre mais. Se antes havia monopólio (e me parece que ainda há), este pode ser substituído pela concorrência, e não é possível saber o que é pior, principalmente se esta “filosofia”, dita por Andrea Turco, mas que procurei definir mais amplamente acima, forem suplantadas pela lógica de mercado.

Mesmo tendo pouquíssimo tempo de estudo e basicamente nenhuma convivência nos círculos cervejeiros, percebo pelos blogs que o princípio da cerveja artesanal existe no Brasil a ponto de não ser necessária a diferenciação entre cerveja caseira e cerveja artesanal, eu diria que cerveja artesanal é a feita em casa e também a comercializada pelas microcervejarias. Talvez a diferença seja somente terminológica, entre cerveja artesanal caseira e cerveja artesanal comercial, mas sem o peso conceitual da diferenciação que vemos na Itália. Mesmo que eu não tenha participado de eventos, os relatos que fotografias que vejo demonstram que a paixão dos cervejeiros artesanais brasileiros não está nem longe de ser suplantada pela lógica de mercado, e é melhor que nunca seja.


Bruno Bontempo
_________
Gostaria de deixar claro que trata-se de um texto ensaístico, com muitas deduções e que levanta mais dúvidas do que afirma algo. Muitos argumentos são tratados de maneira superficial, espero que entendam.

3 comentários:

  1. Thank you for your reposting this article, I'm trying to understand some interesting thoughts you make about.
    It's great to know homebrewing, craft beer and beer blogging is arising in Brasil too.
    Cheers!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Angelo.

      Parlo un pó sulla questione dei termini "birra artigianale" e "birra casalinga". In Brasile i termini non portano ancora molta differenza (solo giuridica), ma che la questione é oggetto di discussione in Italia, che é stata più avanzata nel movimento homebrew. Dico che la "filosofia" che tu parli non puó essere dimenticata, che le leggi del mercato non possono essere maggiore che il pensiero ed i principi della birra artigianale. Infine, credo che il Brasile camina piano ma bene, ma siamo ancora lontano di dimenticare questa filosofia, cosi come l'Italia. Grazie per il comento e scusa per il mio povero italiano, ma l'inglese é peggio.

      PS. In dicembre ho stato a Roma, ma sfortunatamente (anche per mancanza di tempo), solo ho bevuto birra Moretti e Perone!

      Excluir
    2. Nooo, che peccato, solo Moretti e Peroni. Proprio a Roma, che invece è la culla della birra artigianale italiana.
      In bocca al lupo al vostro movimento brasiliano!

      Excluir